A “compensação” é um mecanismo previsto nos artigos 368 e seguintes do Código Civil e consiste na hipótese em que “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.
Antes da Emenda Constitucional (EC) n.º 62 de 2009 esse mecanismo não era aplicado no ramo do direito tributário, já que os contribuintes que possuíam valores a receber das Fazendas Públicas Estaduais e Municipais via precatório não podiam realizar a compensação direta e automática desses créditos com seus débitos fiscais.
Contudo, à época, essa questão assumiu uma relevância nacional, considerando a enorme quantia de precatórios não pagos pelos Estados e Municípios e uma altíssima média de comprometimento da receita líquida desses Entes. De acordo com a justificação da EC n.º 62/2009, o total pendente de pagamentos em junho de 2004 era de R$ 61 bilhões e a média de comprometimento da receita corrente líquida dos Estados era de 85% (pessoal, saúde, educação e pagamentos de dívidas), ou seja, do total de recursos dos Estados restavam apenas 15% para outros gastos e investimentos.
Visando solucionar esse endividamento dos Estados e o grande número de precatórios não pagos, foi promulgada a EC n.º 62/2009 que alterou o art. 100 da Constituição Federal de 1988 e passou a permitir, a título de compensação, o abatimento automático dos créditos em precatórios com débitos tributários, inscritos ou não em dívida ativa.
Todavia, a vigência dessa norma não durou muito tempo, já que em março de 2013, foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4.425/DF, tendo sido declarada a inconstitucionalidade parcial da EC n.º 62/2009, inclusive quanto à possibilidade de compensação automática dos precatórios com os débitos tributários.
Os principais fundamentos utilizados pelo STF para decidir pela inconstitucionalidade da norma citada foram de que, em tese, a compensação unilateral e automática: (i) desrespeitava a coisa julgada material; (ii) não observava a separação dos poderes; e (iii) ofendia a isonomia entre o poder público e o particular.
Os efeitos dessa decisão foram modulados, tendo sido definido que a compensação automática dos precatórios poderia valer até o final do exercício de 2020 e que somente os débitos tributários inscritos em dívida ativa até a data de 25 de março de 2015 poderiam ser objeto de compensação.
Mas e aí? Acabou a possibilidade de compensação tributária com precatórios?
Após a modulação dos efeitos no julgamento da ADI n.º 4.425/DF, foram promulgadas as Emendas Constitucionais n.º 94/2016 e 99/2017 com o intuito de possibilitar a compensação tributária com precatórios.
A EC n.º 94/2016 visava facultar aos credores de precatórios, via regime especial, a compensação com débitos de natureza tributária ou de outra natureza que tivessem sido inscritos em dívida ativa até 25 de março de 2015 e aqueles a vencer até 31 de dezembro de 2020, observados os requisitos que cada Estado definiria em lei própria. Estipulou, ainda, que os pagamentos deveriam ocorrer até 2020 — este prazo, no entanto, foi estendido para 31 de dezembro de 2029 pela EC n.º 109/2021.
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A EC n.º 99/2017, por sua vez, teve como objetivo estipular o prazo de 120 dias, a contar da data de 1º de janeiro de 2018, para que os entes federados editassem as suas leis próprias, e, caso não respeitado o prazo previsto, os credores teriam autorização para exercer seu direito de compensação independentemente de regulamentação.
E como está a questão hoje em dia?
Com o objetivo de financiar programas foi apresentada, em 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 23 que previa, dentre outros, o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios, a compensação de precatórios com créditos tributários dos entes federados e o auxílio aos vulneráveis.
Após enfrentar forte resistência, a PEC n.º 23/21 foi fatiada, tendo apenas a parte que tratava da compensação de precatórios e do parcelamento de débitos previdenciários dos municípios sido aprovada e convertida na EC n.º 113/21.
Essa Emenda Constitucional ampliou o §11 da Constituição para facultar ao credor de precatórios (federais, estaduais e municipais) o seu uso para a quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente.
No entanto, apesar de a norma ser autoaplicável para os precatórios da União (norma de eficácia contida), a produção de efeitos para o caso dos demais entes federativos (Estados e Municípios) ficou pendente da edição de normas próprias do ente devedor (norma de eficácia limitada).
A necessidade de edição de norma própria dos entes políticos devedores é alvo de inúmeras críticas, pois pode inviabilizar o exercício do direito à compensação pelos credores.??Inclusive, para fazer valer o direito de compensação no caso dos entes que não regulamentaram a questão, muitas vezes se faz necessário até mesmo ajuizar ação, considerando se tratar de um direito do contribuinte que está sendo restringido por inércia do ente devedor.
Após a edição da EC n.º 113/2021, foi aprovada a segunda parte da PEC n.º 23/21, resultando na EC n.º 114/21 que passou a tratar do auxílio aos vulneráveis, a estabelecer um novo regime de pagamentos de precatórios, a modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e a autorizar o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios.
No que tange ao novo regime de pagamentos de precatórios, a primeira novidade foi em relação ao período requisitorial, que passou de 1º de julho de cada ano, para o dia 2 de abril. Essa alteração acabou por aumentar o prazo para o pagamento do precatório que antes era de até 18 meses, mas que passou a ser de até 21 meses.
Outra alteração introduzida pela EC n.º 114/21 foi a de limitar o montante da inclusão orçamentária dos valores destinados a pagamento de precatórios, para obtenção de recursos para financiar o auxílio aos vulneráveis. Ou seja, ainda que obedecido o período requisitorial, o pagamento dos precatórios também ficará restrito ao reduzido limite orçamentário anual.
Nesses casos, o credor do precatório poderá optar por receber o seu crédito mediante acordo direto perante juízos auxiliares de conciliação de pagamento de condenações contra Fazenda Pública Federal, em parcela única, até o final do exercício seguinte, com renúncia de 40% do valor de seu crédito, cabendo ao Conselho Nacional da Justiça a regulamentação desses juízos auxiliares de conciliação.
O que se conclui de tudo isso?
A questão da compensação de precatórios passou por inúmeras alterações e mudanças legislativas ao longo do tempo. Foram 6 emendas constitucionais e uma Ação Direta e Inconstitucionalidade para tratar do tema desde 2009 até os dias atuais.
Apesar de todas essas mudanças, atualmente, a Constituição Federal autoriza a compensação de precatórios com débitos tributários, o que é uma boa notícia para os contribuintes. Inclusive, a possibilidade de compensação é abrangente, incluindo débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente.
Não obstante, como exposto no texto acima, a forma de regulamentação dessa compensação no caso dos precatórios estaduais e municipais é questionável, considerando que a necessidade de edição de lei própria pelos Estados e Municípios pode inviabilizar a utilização do direito de compensação por parte do credor. Nesses casos, pode ser necessário até mesmo recorrer ao Judiciário para fazer valer o seu direito.
Por fim, especificamente no caso de pagamento de precatórios, a previsão constitucional atual também pode ser criticada, considerando o aumento do prazo para o pagamento dos precatórios e o baixo limite orçamentário anual destinado para esse tipo de quitação.
De toda forma, considerando o excesso de críticas ao mecanismo atual de compensação e o histórico de mudanças legislativas sobre o tema, cumpre-nos acompanhar e aguardar as novidades sobre a questão que certamente virão nos próximos anos.
A equipe tributária do ReB está à disposição para auxiliá-lo em questões fiscais envolvendo essa e outras matérias tributárias.