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[Newsletter RB n° 87] - A INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS: O tema 1046 do STF e os rumos da liberdade sindical plena no Brasil
11/10/2021

Em breve a Lei 13.467/2017 (a “reforma trabalhista”), completará quatro anos de vigência. A lei, não é novidade para ninguém, enfrenta relevante obstáculo de aplicação, pois seus principais “validadores práticos”, os juízes trabalhistas (seus intérpretes e aplicadores,) têm, em sua aparente maioria, uma visão pessimista dos propósitos e efeitos da lei.  O reflexo são declarações incidentais e difusas de inconstitucionalidade, que se somam às diversas ações de controle concentrado de constitucionalidade que estão no Supremo Tribunal Federal.

Um dos assuntos mais abordados é o famoso “negociado sobre legislado”. Um assunto polêmico que está submetido ao STF através do ARE 1121633, com repercussão geral já reconhecida (Tema 1046).

O que o STF vai avaliar é se o artigo 611-A da CLT é inconstitucional.  A questão posta é se existe violação aos artigos 5º, incisos II, LV e XXXV; e 7º, incisos XIII e XXVI, da Constituição quando uma norma coletiva restringe direito trabalhista independentemente da explicitação de vantagens compensatórias, desde que o direito restringido não seja absolutamente indisponível.

O debate se debruça sobre o art. 611-A da CLT, que estabeleceu as hipóteses em que “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.

É pouco compreensiva a repulsa que essa novidade da reforma trabalhista encontrou em diversos setores envolvidos no Direito do Trabalho. 

A motivação para quem defende a inconstitucionalidade do artigo é a proteção dos trabalhadores contra a restrição de direitos, quase uma invocação do princípio da vedação ao retrocesso em matéria de autonomia privada coletiva. 

O problema, dizem, assumiria feições monstruosas pela inserção, também pela reforma trabalhista, do § 3º do artigo 8º da CLT, dispondo que “No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”.

Quem ataca o princípio do “negociado sobre o legislado” e sua irmã gêmea, a “intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”, entende que deixar ao “arbítrio” das entidades sindicais a regulamentação dos direitos do trabalhador – o que não necessariamente significa a criação de direitos, mas também a retirada deles – dando-lhes um poder supralegal, criaria espaço para a “precarização” das relações de trabalho.

Será mesmo?

A resposta a essa questão impõe voltar ao próprio desenvolvimento do Direito do Trabalho. O direito do trabalho é fruto, essencialmente, de uma construção coletiva. As grandes reivindicações dos períodos iniciais do Século XX, quando a economia colonial dava espaço à industrialização, aliadas a outras questões (como a necessidade de criação de um mercado consumidor interno forte) engendraram a sistematização das regras de proteção do trabalhador. Não se criaram direitos, assim, ao indivíduo trabalhador, mas à coletividade de pessoas que entregavam a sua força de trabalho a um empregador. O direito individual do trabalho, assim, é um subproduto do direito coletivo do trabalho, ou ao menos da manifestação coletiva de interesses de um determinado agrupamento de pessoas (o que mais posteriormente se definiu como “categoria”).
 
Não é por acaso que uma das molas propulsoras do direito do trabalho seja justamente a autonomia coletiva da vontade. A alocação, nas normas coletivas, da condição de “Fonte do direito do trabalho” veio justamente para que os destinatários das regras – os trabalhadores e os empregadores – pudessem regular suas próprias condições independentemente do Estado.

E não é justamente para beneficiar essa tão almejada liberdade sindical plena que os princípios da intervenção mínima e do “negociado sobre o legislado” vieram?

É preciso, antes de qualquer discussão, reiterar aquilo que o legislador já deixou claro (embora nem mesmo precisasse): em primeiro lugar, a “intervenção mínima” da Justiça do Trabalho não significa “carta branca” para qualquer tipo de negócio jurídico, mesmo aqueles inválidos. Ora, o art. 104 do Código Civil, mencionado expressamente no § 3º do art. 8º da CLT como aplicável na análise dos instrumentos coletivos é justamente aquele que impõe os requisitos de validade do negócio jurídico (capacidade do agente, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei). Assim, não foge ao Judiciário a avaliação da efetiva legitimidade das entidades sindicais, da obediência aos requisitos legais da norma coletiva (notadamente a realização de assembleia, o registro no sistema mediador, a forma escrita e não rasurada - parágrafo único do art. 613 da CLT - o conteúdo mínimo - incisos I a VIII do artigo 613 da CLT etc.) e, principalmente, a licitude do objeto.

A licitude do objeto foi disciplinada pelos artigos 611-A e 611-B da CLT. O primeiro traz as hipóteses exemplificativas (pois se menciona “...entre outros”) em que a negociação coletiva é lícita. O segundo traz as hipóteses taxativas (pois se menciona “...exclusivamente”) em que o objeto da negociação coletiva é ilícito.

A hipótese da ilicitude do objeto faz correspondência com os direitos sociais constitucionalizados no artigo 7º da Carta Magna. Ora, é evidente que um direito social constitucional, que inclusive alcança status de cláusula pétrea conforme doutrina e jurisprudência majoritárias, não poderia ser restringido por negociação coletiva. E é importante distinguir: a licitude da negociação coletiva não se confunde com a avaliação subjetiva dos seus efeitos “benéficos” ao trabalhador, até porque o que é benéfico para uma categoria de trabalhadores pode não ser para outra. Não cabe ao aplicador da lei avaliar subjetivamente o seu conteúdo, mas apenas a sua conformidade sistêmica. O Poder Judiciário não pode se travestir de parte da negociação coletiva, como se pudesse conhecer os anseios de toda e qualquer categoria econômica (ou, pior, os anseios de todo e qualquer indivíduo trabalhador). A autonomia privada coletiva vem, justamente, para que o Estado outorgue às próprias partes a regulação de sua relação, respeitados os limites constitucionais e legais.

Conclui-se, deste modo, que a prevalência do “negociado sobre o legislado” e o princípio da intervenção mínima em matéria de autonomia privada coletiva não colocam em xeque o chamado “mínimo existencial trabalhista”. Há determinados direitos que são insuscetíveis de restrição via negociação coletiva. Por outro lado, o mantra da irredutibilidade absoluta de direitos, mesmo quando negociada pelos próprios beneficiários, na figura de sua entidade sindical, não conversa com a realidade e soa mais como uma “luta pela luta” do que uma efetiva incursão nas necessidades da coletividade de empregados. 

O julgamento do Tema 1046 no Supremo Tribunal Federal, do qual dependem milhares de processos suspensos na Justiça do Trabalho, representará um marco no tratamento judiciário da liberdade sindical no Brasil. Um tema de primeira relevância no Direito do Trabalho, que deve ser acompanhado de perto.

 
Rocha e Barcellos Advogados está à disposição para auxiliar e sanar quaisquer dúvidas em relação a este e a outros temas de natureza trabalhista.

Daniel Ybarra é sócio no Rocha e Barcellos Advogados.

Publicado por
Daniel Ybarra
11/10/2021