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As provas digitais e a distribuição de ônus no processo do trabalho
28/06/2023

O crescimento do uso de dispositivos informáticos e a interatividade permanente, como efeitos naturais do avanço da tecnologia e de alcance das diversas camadas da sociedade, atrai a atenção dos aplicadores do Direito para a necessidade de efetiva disciplina jurídica acerca do tema, especialmente no tocante às ações judiciais e, nelas, à produção de provas.  

 

Como efeito dessas mudanças, tecnológicas e também sociais, encontram-se, cada vez mais, nas ações judiciais, registros digitais relativos a sistemas de dados de empresas, públicas ou privadas, que derivam de fontes abertas, ou seja, de livre acesso, ou de fontes fechadas, cujo acesso é restrito e, portanto, dependem de prévia solicitação judicial.  

 

Dados publicados em redes sociais, geolocalização, metadados de fotos, rastreamento de IP, sistemas de biometria, entre outros, que possibilitam comprovar, com maior exatidão e segurança, as alegações das partes, têm sua utilização crescente, na busca pela verdade real, e possibilitam que o julgador chegue mais perto do que realmente aconteceu.  

 

E é este é um dos pontos positivos do uso das provas digitais, porque elas podem apresentar dados consistentes e confiáveis sobre questões controvertidas, em um contraponto muito interessante relativamente às informações passadas pelas partes ou pelas testemunhas, e que nem sempre são totalmente isentas ou imparciais, como desejável.  

 

No processo do trabalho, que tem os princípios da oralidade e primazia da realidade como pontos fortes, este tema torna-se ainda mais interessante e atraente.  

 

Mas, quais são as principais vantagens do uso das provas digitais nas ações judiciais trabalhistas?  

 

A utilização das provas digitais, nas ações trabalhistas, pode possibilitar resultados mais justos, em razão da maior eficiência probatória.  

 

Como exposto, em algumas ocasiões, as provas digitais são apresentadas em contraposição à subjetividade das partes e testemunhas, cujos depoimentos são, muitas vezes, viciados, porque existe possível amizade ou inimizade entre os envolvidos, como parte e testemunha, ou porque há, ainda que implicitamente, interesse na causa, características que nem sempre são notadas imediatamente, pelo julgador, tampouco são de fácil comprovação. Lapsos de memória e os vieses das testemunhas na compreensão subjetiva que têm dos fatos também prejudicam a busca da verdade real. 

 

Quando a utilização do uso dos meios digitais é dotada de boa-fé e aplicada em harmonia com a legislação em vigor, é certo que ela tem o poder de possibilitar maior economia e celeridade aos processos, além da já mencionada confiabilidade.  

 

Mas, as provas digitais não são aplicadas apenas com este objetivo de contrapor outros meios de prova.   

 

Elas também adquirem importância pela precisão e especificidade que proporcionam, o que atrai mais rápido andamento processual.   

 

Têm sido comuns, também, na fase mais avançada do processo, especialmente na execução, porque possibilitam melhor investigação sobre o patrimônio do devedor, contribuindo para evitar ou combater fraudes, quitar dívidas e, assim, evitar prejuízos à parte credora, outro ponto de extrema relevância, no processo do trabalho.   

 

A legislação brasileira tem acompanhado este avanço no uso da prova digital?  

 

O Código de Processo Civil de 2015 (Lei Federal 13.105/2015) autoriza que as partes empreguem todos os meios legais, e moralmente legítimos, ainda que não especificados, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa, de modo a influir, de modo eficaz, na convicção do juiz (art. 369).   

 

Autoriza, também, expressamente, que o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, determine as provas necessárias para o julgamento do mérito.  

 

Há, na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943), em seu texto originário, ou seja, antes da Lei da Reforma Trabalhista ou qualquer outra alteração legislativa relevante, previsão expressa de concessão de ampla liberdade aos julgadores, para dirigir o processo, velando pelo rápido andamento das causas, podendo determinar, ainda, “qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas” (art. 765).  

 

Merece destaque a publicação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que trouxe a obrigação de guarda de registros de conexão, por pelo menos um ano, bem como dos registros de acesso e aplicações de internet, pelo período mínimo de seis meses, além da obrigação de disponibilização dos registros e dados pessoais armazenados nos provedores de conexão e acesso a aplicações de internet, mediante ordem judicial.  

 

Ainda conforme esta lei, os registros e dados pessoais, armazenados em operadoras de telefonia, provedores de conexão e aplicações de internet, podem compor o acervo probatório em ações cíveis ou criminais.  

 

Estas são as principais normas legislativas acerca do tema, sem prejuízo da possível existência de outras leis, esparsas, igualmente hábeis a disciplinar, motivar e incentivar o uso das provas digitais, nos processos judiciais como um todo.  

 

A CLT tem dispositivo expresso que autoriza o uso de outras normas, supletivamente, ou seja, nos casos em que a lei trabalhista silenciar ou quando for necessário complementá-la, o que se aplica aos meios de prova e sua possibilidade de aplicação e abrangência de seu uso.  

 

Mas, não haveria vazamento de dados na produção das provas digitais?  

 

De fato, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) regulou o acesso, coleta, armazenagem e tratamento de dados de pessoas físicas, nas esferas pública e privada.  

 

Mas, quando a prova digital é legítima, coletada e armazenada conforme previsão legal, e com demonstração concreta de sua originalidade, sua apresentação não configura vazamento de dados pessoais, uma vez que a própria lei autoriza a coleta e tratamento de dados em casos de cumprimento de obrigação legal ou regulatória, bem como em casos de execução de contrato e exercício regular de direitos em processos judiciais.  

 

Em suma, o tratamento ou a obtenção de dados no âmbito do exercício constitucional de defesa em processo judicial não se enquadra no conceito de violação ou vazamento de dados e não configura ofensa à lei, descabendo oposição da contraparte (ainda que seja prudente adotar cautelas para que dados de pessoas estranhas ao processo não acompanhem as provas apresentadas).   

 

Há ferramentas especiais para a produção das provas digitais?  

 

As provas digitais podem ser extraídas de fontes abertas ou fechadas.  

 

Há programas e técnicas de obtenção de dados que podem ser usados para esta finalidade.  

 

Importa destacar, aqui, que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) noticiou que a Justiça do Trabalho foi o primeiro ramo do Poder Judiciário a assumir o uso das provas digitais em forma de um projeto institucional, com investimento em capacitação, acordo de cooperação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para compartilhamento de iniciativas e projetos, destinadas a aprimorar a prestação jurisdicional ao cidadão, o que conduz à resposta afirmativa a esta questão: há, sim, ferramentas especiais para a produção de provas digitais.  

 

Algumas regras valiosas sobre a distribuição do ônus da prova  

 

O ônus da prova é tema que interessa muito às partes e que convém ser observado desde o instante em que se decide ajuizar a ação (ou para quem a recebe, quando inicia a elaboração da tese de defesa), conforme a natureza constitutiva, modificativa, impeditiva ou extintiva do fato alegado.  

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o ônus da prova é regra de instrução, não de julgamento, ou seja, a decisão que acaso modificar o ônus da prova deve ocorrer na fase de instrução, para que a parte “onerada” tenha a oportunidade de se manifestar e até impugnar, se for o caso, o que encontra coerência com o CPC de 2015, que estipula que a modificação do ônus da prova deve ocorrer na fase de saneamento e organização do processo (art. 357, III, do CPC).  

 

Entretanto, no processo do trabalho, não há fase de saneamento. A instrução pode ocorrer logo na primeira audiência, se designada com esta finalidade, mediante prévia e inequívoca ciência das partes, o que requer ainda maior cautela dos operadores deste ramo do direito, que podem ter que se manifestar, oralmente, em curto espaço de tempo, para a defesa dos interesses de seus clientes.  

 

Um ponto comum entre o processo civil e o processo trabalhista é a utilização da “teoria dinâmica da prova”, que tem em seu bojo os princípios da efetividade da prestação jurisdicional, da oralidade, da boa-fé, da lealdade e da solidariedade, e defende que, na análise do caso concreto, o juiz pode imputar o ônus da prova à parte que tiver melhor condições de produzi-la, retirando a “carga” daquela parte que teria maior fragilidade para apresentá-la no processo.  

 

Importante: a dinamização em tela não pode gerar uma situação em que o encargo se torne excessivamente difícil ou mesmo impossível, o que a doutrina ousou chamar “prova diabólica” para a parte que, originariamente, não tinha o encargo de provar, o que encontra previsão expressa no parágrafo segundo do art. 373, da lei processual civil e mereceu elogios quando veio à tona, no ordenamento jurídico brasileiro.  

 

A prova unilateralmente “diabólica” é aquela difícil ou impossível de ser produzida por uma das partes num processo, mas que pode ser apresentada pela outra. Daí a necessidade de cautela do juiz e dos envolvidos, para haver coerência na definição e distribuição dos ônus.   

 

E, com relação à prova digital, considerada prova documental, não é diferente. A princípio, como regra clássica, recomenda-se a juntada da prova digital pela parte que alega os fatos.  

 

A parte contrária terá o momento oportuno para impugnar os documentos, entre eles, a prova digital, sendo certo que, se não impugnar uma assinatura ou autoria, mas apenas o seu conteúdo, atrai para si o ônus relativamente a este.  

 

Em exemplo diverso, se a parte contra quem se faz a juntada de uma prova digital não reconhecer a assinatura ou negar a autoria do fato digital apresentado, o ônus da prova acerca da ocorrência do fato é de quem alega, porque houve uma negativa absoluta.  

 

Incidem, assim, basicamente, as mesmas regras observadas para a produção da prova documental, sendo importante a observância de particularidades afetas à integralidade e integridade da prova digital, para conclusão acerca da repartição ou redefinição na distribuição do ônus.  

 

E quais as etapas de coleta e verificação das provas digitais?  

 

Além das questões relativas à distribuição do ônus acerca da prova digital, surge outra questão jurídica relacionada à segurança desse meio de prova, o que também é extremamente importante.  

 

Atentos aos princípios da lealdade e boa-fé processual, os requisitos de autenticidade, integridade e preservação da cadeia de custódia da prova digital também devem ser observados para efetiva segurança jurídica.  

 

Há normas, ainda esparsas, como a ABNT ISSO/IEC 27037:2013, com diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidência digital.  

 

Entre as diretrizes já desenhadas a respeito dos documentos digitais, há o isolamento, que corresponde à análise, garantia de integridade e veracidade do material em si, com a identificação de equipamentos relacionados às evidências.  

 

Verifica-se, também, a coleta detalhada, que objetiva manter a prova hábil a ser auditada, repetida, reproduzida e justificada e, finalmente, a preservação, para que não ocorram manipulações posteriores, de modo a assegurar que o conteúdo permaneça intacto, para atingir o objetivo para o qual foi coletado.  

 

É recomendável que as partes procurem observar citadas diretrizes, de forma ágil, para evitar que o material se perca, e em sua totalidade, para obtenção de confiança e credibilidade relativamente ao conteúdo registrado.   

 

Há julgados que evidenciam cautela do julgador que, ao perceber relativa fragilidade nas provas digitais apresentadas, determinou à parte que apresentasse ata notarial ou a conversão da prova mediante aplicativos específicos, como o “verificact”, aplicativo já citado em decisão judicial, também visando dará atribuição de maior credibilidade às provas digitais.  

 

Desse modo, mesmo que a parte contrária impugne a prova, parcial ou completamente, ainda é possível promover a auditoria do material, ainda que por meio de perícia técnica, tudo com o objetivo de se manter a necessária observância aos princípios da segurança jurídica, boa-fé e ampla defesa, entre outros, essenciais ao bom e célere andamento dos processos, independentemente da matéria nele discutida, que pode ter cunho meramente patrimonial, mas pode também versar sobre a vida dos envolvidos.  

 

Conclusão: a prova digital veio para somar e para ficar!  

 

Relativamente ao processo do trabalho, é precipitado acreditar que a prova digital eliminará a frequente necessidade de produção de prova oral, inclusive porque ainda prevalece, no ordenamento processual trabalhista, o princípio da oralidade, com notório valor dado ao conteúdo dos depoimentos das partes e das testemunhas.  

 

Entretanto, se por um lado, o contrato de trabalho é um contrato-realidade e deve ser visto dessa forma, em eventuais discussões de ordem processual, por outro lado, a possível parcialidade e interesses pessoais dos envolvidos, especialmente testemunhas, torna ainda mais certo de que a prova digital surge como um mecanismo extremamente útil e apto para contribuir e manter a observância plena da primazia da realidade.  

 

Não se pode ignorar, é claro, que a manipulação de provas digitais trabalhistas também é teoricamente possível, razão pela qual se justifica a adoção de cautelas práticas (como a observância de algumas diretrizes e instrumentos, como os acima citados sem pretensão de esgotar o tema),  que traduzam maior zelo e cuidado da parte, e também do(a) advogado(a), no gerenciamento da prova, para preservar a credibilidade do instrumento e evitar a desconsideração na valoração judicial ou induzir, inclusive, a eventual condenação por litigância de má-fé, que pode ocorrer se for identificada, por exemplo, uma simulação de conversas em WhatsApp ou e-mails, fotos ou postagens.  

 

Assim, diante de provas digitais, sublinha-se a importância da utilização dos recursos já existentes para confirmação da autenticidade, ou mesmo para garantia quanto à sua origem e utilização e, claro, a cautela na identificação da correta distribuição dos ônus e na possibilidade de sua inversão, que pode ou não ser interessante à parte, conforme o caso específico em análise.  

 

E, claro: conte, sempre, com uma assessoria jurídica especializada, para melhor aprofundamento do tema e efetiva utilização das mais modernas tecnologias, favoráveis à defesa de seus interesses e de seu patrimônio. 

Publicado por
Daniel Ybarra
28/06/2023