× Home Notícias e Publicações Áreas de Atuação Profissionais Carreira Contato Acesso Restrito
Criatividade
Criamos, produzimos ou inventamos coisas novas; queremos soluções simples, eficientes e econômicas.
scroll
foto
Entenda: não incidência do ITCMD em doações e heranças recebidas do exterior
11/08/2022

Há mais de 1 ano o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário nº 851.108, interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que determinou a não incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre doações e heranças recebidas do exterior.


Na ocasião, afirmou-se que a Constituição Federal de 1988 atribuiu à Lei Complementar a competência para a instituição do ITCMD caso haja algum “elemento de conexão” de que possa decorrer tributação em país estrangeiro.


O texto constitucional determinou que somente por Lei Complementar é possível a instituição do ITCMD nas hipóteses em que:


Em que pese não ter sido editada a referida Lei Complementar, alguns Estados estabeleceram em sua legislação interna a incidência do ITCMD em relação aos fatos geradores acima mencionados (como exemplo, é possível citar o Estado de São Paulo, que estabeleceu a incidência do imposto nas hipóteses aqui citadas na Lei nº 10.705/2000[1], objeto do Recurso Extraordinário analisado).  


Mas será constitucional essas legislações internas?

Para avaliar a constitucionalidade dessas legislações internas, especificamente a do Estado de São Paulo, o Ministro Relator analisou em seu voto a possibilidade de os Estados fazerem uso de sua competência legislativa plena frente à omissão do legislador nacional.


Ou seja: inexistindo normas gerais (inclusive sobre matéria tributária), seria autorizado aos Estados exercer a sua competência plena para editar normas de caráter geral e específicas.


Reforçamos ainda que há artigo na Constituição Federal em que refere-se à legislação tributária, competindo exclusivamente à Lei Complementar sobre dispor conflitos de competência, regular as limitações ao poder de tributar e estabelecer as referidas normas gerais em matéria de legislação tributária (especialmente sobre a definição de tributos e de suas espécies, os respectivos fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes).


No entanto, na ausência de edição da Lei Complementar, ainda seria possível aos Estados legislarem sobre as normas gerais em matéria tributária.


Acontece que o entendimento atual do STF[2] é no sentido de que o artigo 24 da Constituição Federal de 1988 somente autorizou aos Estados a competência legislativa plena “para atender a suas peculiaridades”, não podendo ser estendida ao tratamento de matéria tributária que, nas palavras do Ministro Relator, “inevitavelmente, se imiscua em outras unidades federadas ou envolva conflito federativo”.


O que isso significa?


No caso do ITCMD, a Constituição Federal de 1988 reservou à Lei Complementar a função de regular a competência e a instituição do ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou o falecido possuir bens, tiver sido residente ou domiciliado ou tiver seu inventário processado no exterior. Isso porque eventual diversidade nos critérios legislativos sobre a matéria poderia levar à inaceitável bitributação.


Nesse sentido, a exigência da Lei Complementar pelo texto constitucional para os fatos geradores citados do ITCMD não possui apenas a função de dispor sobre normas gerais, mas também, em razão do princípio da extraterritorialidade, para regular sobre norma de competência.


Assim sendo, não haveria que se falar em competência concorrente dos Estados, uma vez que a Constituição Federal de 1988 somente autorizou a competência legislativa plena ao ente estatal quanto à regulamentação de normais gerais em matéria tributária e não quanto à regra de conflito de competência (que é de competência privativa da União).


Ademais, o Constituinte atribuiu aos Estados a função de regular acerca da incidência do ITCMD, reservando, no entanto, os fatos geradores aqui tratados à Lei Complementar. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 intencionalmente restringiu a regulamentação à Lei Complementar das hipóteses em que há algum “elemento de conexão” de que possa decorrer tributação em país estrangeiro.


Diante desses fundamentos, o Ministro Relator manteve irretocável o acórdão recorrido proferido pelo TJSP, tendo sido acompanhado pela maioria dos votos. Assim, o STF firmou a tese de que “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.


À decisão foram atribuídos efeitos “ex nunc”, ou seja, o teor da decisão somente deve ser aplicado aos fatos geradores ocorridos após o julgamento, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o momento da publicação do acórdão, nas quais se discuta: a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente.


Nesse sentido, recomendamos a atuação de advogados consultores para avaliar as melhores alternativas e enquadramento dos parâmetros de forma a mitigar riscos e evitar a bitributação.


Frente à decisão do Recurso Extraordinário nº 851.108, foram opostos Embargos de Declaração, em que foram questionados diversos pontos. Destacamos:


Desses pontos, somente o item (iii) foi avaliado pela Corte, tendo sido definido que as condições relativas às ações judiciais ressalvadas na modulação dos efeitos são alternativas.


Dessa decisão, foram postos novos Embargos de Declaração pelo ente estatal, em que foram alegados os mesmos pontos do primeiro recurso, tendo o STF rejeitado os novos aclaratórios na decisão publicada em 29 de abril de 2022. O trânsito em julgado do Recurso Extraordinário nº 851.108 foi certificado no dia 24 de maio de 2022.


Importante mencionar que após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou 24 ações diretas de inconstitucionalidade no STF contra leis estaduais que ainda disciplinam o imposto sobre doações e heranças provenientes do exterior[3].


O motivo para o ajuizamento dessas ações pela PGR é a de que o efeito vinculante da decisão do STF é restrito aos órgãos do Poder Judiciário, não se aplicando às administrações públicas.


Além disso, a PGR ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão com o objetivo de questionar a demora do Congresso Nacional em editar Lei Complementar para estabelecer as normas gerais definidoras do tributo nas hipóteses aqui tratadas.


É importante ressaltar que está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 363/13) que objetiva regulamentar a competência para a instituição e cobrança do ITCMD.


Sendo assim, considerando a decisão do STF e o fato de que ainda não foi editada Lei Complementar para regulamentar a herança e doação de bens do exterior, o momento atual se mostra oportuno para a realização de planejamentos sucessórios e patrimoniais que envolvam operações dessa natureza, uma vez que, caso publicada a Lei Complementar em questão, será possível a cobrança do ITCD sobre os fatos geradores aqui tratados.  







.



[1] Artigo 4º - O imposto é devido nas hipóteses abaixo especificadas, sempre que o doador residir ou tiver domicílio no exterior, e, no caso de morte, se o "de cujus" possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país:

I - sendo corpóreo o bem transmitido:

  1. a) quando se encontrar no território do Estado;
  2. b) quando se encontrar no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicilio neste Estado;

II - sendo incorpóreo o bem transmitido:

  1. a) quando o ato de sua transferência ou liquidação ocorrer neste Estado;
  2. b) quando o ato referido na alínea anterior ocorrer no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado.

[2] Nesse sentido, é possível citar o RE 136.215/RJ, o RE 140.887/RJ e o RE 474.267/RJ.

[3] Pernambuco (ADI 6.817), Paraná (ADI 6.818), Pará (ADI 6.819), Tocantins (ADI 6.820), Maranhão (ADI 6.821), Paraíba (ADI 6.822), Santa Catarina (ADI 6.823), Rondônia (ADI 6.824), Rio Grande do Sul (ADI 6.825), Rio de Janeiro (ADI 6.826), Piauí (ADI 6.827), Alagoas (ADI 6.828), Acre (ADI 6.829), São Paulo (ADI 6.830), Goiás (ADI 6.831), Espírito Santo (ADI 6.832), Distrito Federal (ADI 6.833), Ceará (ADI 6.834), Bahia (ADI 6.835), Amazonas (ADI 6.836), Amapá (ADI 6.837), Mato Grosso (ADI 6.838), Minas Gerais (ADI 6.839) e Mato Grosso do Sul (ADI 6.840).

Publicado por
Nilton
11/08/2022