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[Newsletter RB Nº 88] - O DESAFIO DAS COTAS DE APRENDIZAGEM: Regras, alternativas legais e o não preenchimento justificado
22/10/2021

Por obrigação legal, prevista no artigo 429 da CLT, as empresas de qualquer natureza instaladas no Brasil devem contratar aprendizes em percentual de 5% a 15%, calculado sobre o número total de empregados do estabelecimento cujas funções demandem formação profissional. A medida busca possibilitar a formação técnico-profissional de jovens sem deficiência, entre quatorze e vinte e quatro anos, e aprendizes com deficiência, de qualquer idade, inserindo-os no mercado de trabalho.

A não observância da determinação legal pode implicar na autuação do estabelecimento pelo órgão competente e a condenação ao pagamento de multa, penalidade prevista também na CLT (artigo 434). Além disso, parte da jurisprudência tem entendido que o descumprimento da cota também pode gerar danos morais coletivos indenizáveis, impondo condenações desta natureza em ações civis públicas.

Todavia, não é de se ignorar que, não obstante os avanços tecnológicos e sociais, muitas empresas enfrentam hoje dificuldades na contratação do percentual mínimo de aprendizes ao qual estão obrigadas. Os principais embaraços relatados se referem à escassez de vagas nos sistemas de aprendizagem, à natureza e peculiaridades das atividades desenvolvidas, questões geográficas e operacionais, entre outros. Essas dificuldades, apesar de não eximirem as empresas da obrigação legal, não passam despercebidas pelo legislador, que oferece às empresas algumas alternativas para o preenchimento da cota. 

Uma delas é a chamada aprendizagem social, prevista no artigo 66 do Decreto 9.579/2018, que possibilita às empresas requererem a assinatura de um termo de compromisso, a fim de que o cumprimento da cota se faça externamente, em entidade concedente da experiência prática do aprendiz. Uma segunda alternativa, incluída em 2017 na CLT (art. 429, § 1º-B), é que a empresa destine até 10% da cota à formação técnico-profissional de aprendizes em áreas relacionadas a atividades desportivas ou prestação de serviços referentes à infraestrutura de instalações, organização e promoção de eventos esportivos. Esse caminho alternativo não raramente é desconhecido pelas empresas, e sua adoção poderia evitar passivos trabalhistas.
Mas o que acontece se a empresa, ainda assim, não conseguir atender ao percentual mínimo de aprendizes? Necessariamente será apenada ou a comprovação de efetivos esforços para o preenchimento da cota poderia elidir a imposição de multa ou indenização por danos morais coletivos? 

A jurisprudência tem evoluído, ainda que vagarosamente, no sentido de tolerar o não preenchimento da cota quando a empresa comprova que ele existiu apesar de efetivos esforços de contratação. Foi o que entendeu a 6ª Turma do TST, ao proferir decisão em Ação Civil Pública na qual destaca que “se a empresa empreendeu todos os esforços possíveis para a ocupação das cotas legais, não pode ser condenada em multa administrativa ou em danos morais coletivos” . Trata-se de importante precedente para que, no caso concreto, comprovada a impossibilidade de preenchimento da cota de aprendizagem por motivos alheios à vontade do empregador, seja afastada a penalização do empregador.

A decisão encontra-se em consonância com a jurisprudência consolidada na Corte Trabalhista, especialmente na SBDI-I, a respeito da cota de contratação de pessoas com deficiência (PCD). Neste tema, mais frequente no Judiciário (pois as cotas legais de PCD´s são ainda mais difíceis de cumprir, diante das particularidades do mercado de trabalho brasileiro), o TST já decidiu inúmeras vezes que, apesar da obrigatoriedade prevista na Lei 8.213/91, a condenação ao pagamento de multa e indenização por danos morais coletivos é indevida quando se comprovar que foram despendidos pela empresa todos os esforços possíveis para preenchimento da cota mínima .

Assim, parece adequado que, por analogia, o mesmo entendimento se consolide no que tange às cotas de aprendizagem. Isso porque, não obstante a importância inquestionável da medida, o Judiciário, atento ao caso concreto, não pode ignorar a situação fática na qual o empregador, não por desídia, mas sim por fatores justificáveis e motivos alheios à sua vontade, não logrou contratar o número mínimo de aprendizes, ainda que tenha despendido todos os esforços necessários para tanto. 

O grande desafio é adotar os efetivos esforços para a contratação dos aprendizes (e dos PCD´s) e documentar todo o processo, desde o oferecimento das vagas até as dificuldades encontradas no recrutamento e na não contratação de candidatos. A tentativa de celebração dos meios alternativos de preenchimento (como os termos de compromisso para aprendizagem externa) também é um caminho para que se comprove judicialmente, se preciso, os esforços da empresa.

Neste caso, não há que se falar em inobservância da obrigação legal, mas sim em comprovada impossibilidade material de seu cumprimento. Penalizar a empresa, em tais circunstâncias, além de não solucionar o problema, implica verdadeira afronta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.


Rocha e Barcellos Advogados está à disposição para auxiliar e sanar quaisquer dúvidas em relação a este e a outros temas de natureza trabalhista.

Sheyla Azevedo
 é advogada no Rocha e Barcellos Advogados.

Publicado por
Sheyla Azevedo
22/10/2021